O Mundo em Pose de Paolo Rosselli: A Fotografia Depois da Imagem

 

© Paolo Rosselli

 
 

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O Mundo EM POSE de Paolo Rosselli: A Fotografia Depois da Imagem

por Pedro Leão Neto

A exposição Mondi in Posa de Paolo Rosselli na Trienal de Milão, acompanhada pelo seu incisivo ensaio Posing World, chega numa altura em que a fotografia se encontra suspensa entre a exaustão e a reinvenção.

As suas imagens de grande formato, captadas em cidades de todo o mundo desde o início dos anos 2000 até ao presente, não registam apenas a arquitetura, mas também as atmosferas mutáveis ​​da vida metropolitana numa era em que, como Rosselli nos recorda, a perceção ultrapassou a representação, e a própria cidade se torna um campo vibrante e fundido de signos.

O texto de Rosselli oferece uma rara combinação de humor, crítica e inquietação filosófica. Muitas das suas reflexões abordam diretamente os desafios que os fotógrafos contemporâneos — e, na verdade, todos os criadores de imagens — enfrentam num mundo saturado de acumulação digital.

De facto, não podemos deixar de comentar algumas passagens notáveis ​​e provocatórias do seu ensaio, como quando escreve: “Será que o regresso da fotografia ao âmbito da arte socialmente responsável será indolor?” Esta questão, aparentemente simples, perpassa todo o texto. Para Rosselli, a dificuldade reside no facto de a fotografia estar cada vez mais distante da experiência corporal e do encontro ético. Ao discutir a prática de Doug Rickard — a seleção de imagens do Google Street View captadas por câmaras automáticas — Rosselli situa o trabalho dentro da linhagem documental americana de Evans e Hopper, mas também observa uma mudança crucial:

“O artista-fotógrafo não tira as fotografias; em vez disso, trabalha com imagens geradas por câmaras automáticas num momento indefinido e sem critérios conhecidos.”

No caso de Rickard, o trabalho migra do campo para o ecrã; a autoria torna-se um ato de curadoria em vez de captura. Rosselli não condena isso; Em vez disso, reconhece-a como uma resposta precoce — e honesta — ao que Baudrillard previu como a “hegemonia do digital”, o momento em que as imagens proliferam para além da intenção, para além do testemunho, para além do olhar humano.

Rosselli escreve com melancolia, mas também com lucidez, sobre a metrópole contemporânea quando afirma que “As pessoas nas ruas são a cidade… sujeitos e entidades distintos que se fundem com outdoors publicitários, cores, reflexos no vidro, automóveis”.

Aqui, Rosselli confronta a ansiedade da fotografia: o seu “terror” perante um mundo onde a profundidade histórica e o “primitivo” se retiram da vista. As metrópoles, transformadas pela estética globalizada e por experiências homogeneizadas, resistem ao papel tradicional da fotografia como testemunha da identidade local ou de narrativas enraizadas. Nesta fusão, a representação perde a sua autoridade:

“A representação… foi desvalorizada: já não garante nada, porque já não controla nada no mundo.”

No final de Posing World, Rosselli comenta a surpreendente afinidade entre a escrita e a fotografia:

“Duas artes tão diferentes em natureza e estatuto comunicam tão bem, mantendo-se fiéis a si mesmas.”

Esta “relação produtiva”, sugere, surge das suas diferenças. A escrita evoca imagens através da linguagem; a fotografia consome e faz circular imagens a um ritmo acelerado. Nesta reflexão, Rosselli alinha com o curador português Delfim Sardo¹, que insiste em muitos dos seus escritos que a fotografia ganha profundidade quando aliada ao pensamento conceptual: quando as imagens não são meramente consumidas, mas interpretadas criticamente. É ainda de referir, em relação à ligação entre a escrita e a fotografia, a forma como certos escritores descrevem o seu processo criativo e a importância que atribuem às imagens no seu interior. Para ilustrar, Orhan Pamuk, numa recente entrevista dada a Isabel Lucas e publicada na revista cultural Ípsilon-PÚBLICO 2, escreveu: "Acredito que, no fundo, a arte do romance é visual. Primeiro, o escritor tem uma imagem na cabeça e depois transforma-a em palavras, fazendo o seu melhor. Isto é um talento. Depois, há os editores que editam, os editores que publicam e, finalmente, o leitor lê aquela página e tenta formar a imagem que o escritor tinha inicialmente em mente. Portanto, é comunicação.

Com Mondi in Posa, Paolo Rosselli oferece algo urgentemente necessário hoje: não simplesmente fotografias de cidades, mas uma estrutura conceptual para as ver. As suas imagens revisitam ícones modernistas, mas com um olhar irónico, atento às contradições da cultura urbana globalizada. Acreditamos que o trabalho de Rosselli afirma a contínua relevância da fotografia como uma prática crítica, reflexiva e profundamente humana num mundo cada vez mais algorítmico, o que está alinhado com muitos dos debates mais amplos dos estudos visuais contemporâneos.

É também um privilégio reconhecer a longa presença de Paolo Rosselli na comunidade da Sophia Journal e da scopio Editions, bem como no grupo de investigação Arquitetura, Arte e Imagem (AAI), sediado no Centro de Estudos em Arquitetura e Urbanismo (CEAU) da Faculdade de Arquitetura da Universidade.

1. Sardo, Delfim , trans. 2025. “The Melancholy of Images: Reassessing the Value of Photography”. SCOPIO MAGAZINE ARCHITECTURE, ART AND IMAGE 2 (1): 1-5. https://doi.org/10.24840/1647-8274_2024_0002_0001_07

2. Orhan Pamuk: “Turkey and oppression made me a political man” by Isabel Lucas in https://www.publico.pt/2025/11/21/culturaipsilon/entrevista/orhan-pamuk-turquia-opressao-fizeram-mim-homem-politico-2155045

Triennale milano 2026
Exhibition Paolo Rosselli Mondi in posa

Curated by: Studio Paolo Rosselli In collaboration with: Francesco Paleari, Cecilia Da Pozzo, Giacomo Quinland Exhibition design: studio GISTO